quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

"A pessoa é mais importante"


Pianista reconhecida internacionalmente por seu talento, Mirta Herrera fala de sua experiência profissional e, ainda, sobre a importância da humildade na vida do músico

Depois de construir uma sólida carreira em países como a Suíça, Alemanha e Itália, a pianista argentina Mirta Herrera participou do 23° Inverno Cultural da UFSJ, mostrando a sua sensibilidade artística e discutindo a relevância da música como identidade de um povo. Nascida em Buenos Aires, Herrera hoje reside em Roma, na Itália, aposentada como professora de Música do Conservatório Italiano. Em entrevista, a primorosa pianista fala sobre a sua carreira musical e a sua paixão por compositores consagrados.


Quando a senhora descobriu esta habilidade com o piano? O que mais te motivou a construir esta carreira de sucesso que possui?

Bem, habilidade acho que não descobri. Amor pela música eu descobri, porque acho que não foi facilidade. Não sou uma pessoa que tem muita facilidade. Amor pela música sim. Muito cedo, era pequena, tinha cinco, seis anos. Eu gostava, em minha casa tinham comprado um piano para a minha irmã mais velha. Eu queria tocar e começaram a dar-me alguma aula, porque eu tocava como qualquer criança. Então, pensaram: ´melhor que tenha alguma aula, porque senão vai estragar o piano’. Eu gostava e aí comecei assim.

Dentre as peças que apresenta, qual delas tem uma proximidade maior com seu estilo e seu gosto pessoal?

Eu gosto muitíssimo de tocar Bach, adoro. Gosto demais também de alguns românticos como Schumann e Schubert. E dedico ainda muito interesse à música latinoamericana, sobretudo à música argentina.

Em seu repertório, a senhora apresenta peças de grandes compositores do mundo inteiro como Bach, Schubert e de Piazzolla. Explique o que possibilitou a escolha destes nomes, salientando os pontos principais de sua formação.

Bach eu sempre toquei, porque gostava muito quando eu era pequena e depois, sabe, muda um pouco o gosto ao longo da vida. Bach sempre foi o meu grande amor. Como o primeiro amor, que você nunca vai esquecer, mas também tenho outros amores. Estes mudam. Às vezes eu tenho muita vontade de tocar Schumann, outras vezes tenho muita vontade de tocar Mozart. Quanto à música latinoamericana, isso começou há dez anos. Mais ou menos quando comecei a ter mais interesse pela pesquisa também da música latina em geral.

Em uma de suas palestras realizadas no Inverno Cultural, a senhora falou sobre a música de câmara e o solo, além de aspectos da cultura argentina. Como a senhora define a importância da cultura musical de um povo?

Na música argentina, é lamentável que somente o tango seja conhecido, no momento. E a música argentina é muito mais do que isso. Eu comentei com os meninos da oficina, que na Europa pensam que o Brasil é apenas carnaval e acabou aí. Não sabem o que este país tem de maravilhoso como música. O folclore brasileiro é uma coisa única, fantástica. Apesar de a música brasileira ser ainda mais rica como variedade, a cultura argentina, de onde derivam muitas composições dos compositores eruditos, é fantástica também. E ninguém conhece. Por isso que eu fiz esta palestra na oficina, vimos alguns DVDs, escutamos, falamos muito nisso. Porque acho que é importante que se conheça outra música, porque tem tanta música bonita para se escutar. E, quando eu estou aqui, aprendo muita música brasileira. Hoje os meninos me deram cópias de música brasileira de presente. Foi o presente mais bonito para mim, porque não posso comprar na Europa, não encontro. Eles fizeram dois livros.


Como a senhora resume esta passagem pela cidade de São João del-Rei? O que mais apreciou na cidade?

Adorei o festival. A cidade eu já conhecia e acho maravilhosa. A cidade é bonita e tem uma luz da qual eu me lembrava. É uma luz particular que só quem não mora aqui pode perceber. Então, o morador pode não apreciar como eu, que moro noutra cidade, aprecio. É uma luz particular. Os meninos da oficina são uns amores. Realmente, eles criaram um ambiente muito simpático, eu me senti muito bem. E também tiveram os eventos, que, naturalmente, não pude escutar muita coisa, pois tinha muito para fazer, mas as coisas que consegui escutar foram fantásticas. A cidade é cheia de cultura, uma maravilha.

No fim da oficina, a senhora conversava com o professor de música Vladmir sobre a competitividade e a união entre os músicos. O que você acredita que seja melhor para a vida de um músico?

Olha, eu acho que a primeira coisa a pessoa é mais importante. Essa pessoa pode ser um músico, pode ser um médico, um jornalista. Cada um faz uma coisa, ou ao menos pretende fazer alguma coisa. Entre os músicos, entre as pessoas que fazem alguma coisa no cenário, há muita competitividade. Tem muito essa coisa de ‘é o melhor’. Eu não concordo, porque eu acho que no mundo tem lugar para todos e para todos os trabalhos, todas as coisas são importantes. O mais importante é fazer com entusiasmo e com a boa intenção de fazê-la bem. Em qualquer trabalho, como, por exemplo, a pessoa que limpa as cadeiras desta sala, deve procurar fazê-lo bem. É um trabalho tão importante quanto tocar piano, eu não acho que um seja importante e outro não. Tudo é importante para que o mundo funcione. Não acredito que aquele que toca melhor é mais importante.

Gostaríamos que deixasse uma mensagem de motivação aos jovens músicos e pianistas que pretendem uma carreira de sucesso espelhados em grandes artistas como Mirta Herrera.

A carreira de grandes sucessos depende muito do que a pessoa consegue fazer e, às vezes, também da sorte, como todas as coisas na vida. Eu acredito que o mais importante é fazer as coisas com honestidade. Honestidade com a gente. Tenho que ter a convicção que estou fazendo bem para as minhas possibilidades e pode ser que outro tenha mais possibilidades que eu tenha. Eu faço o melhor que eu posso. Depois, na vida você nunca sabe. Depende dos encontros que você faz. Há pessoas que sabem trilhar caminhos de sucesso e outras que não sabem, por mais que se empenhem. A vida é assim com todas as profissões.


Entrevista Publicada em 28/07/2010 no site da Universidade Federal de São João del-Rei

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